“Todos devemos ter consciência, setor público e privado, de que não vamos sair desta crise sozinhos. O Estado, mais do que nunca, precisa de um setor privado forte e empreendedor. O setor privado precisa de um Estado forte, capaz de regular as desigualdades e proteger os cidadãos. Não é tempo de promover dicotomias entre público e privado”, afirma a CEO da Luz Saúde, em entrevista à revista Líder Magazine. Isabel Vaz espera, por isso, que “a pandemia possa ser uma oportunidade” para unir todos “em torno do mesmo objetivo: sair desta crise sanitária e da recessão económica mais fortes e capazes de alicerçar uma sociedade mais rica, justa e solidária”. Depois de recordar como ter um acionista chinês (a Fosun, também acionista de hospitais e de uma das maiores empresas farmacêuticas na China) foi uma vantagem na reação da Luz Saúde à pandemia, a CEO explicou quais foram as prioridades e as primeiras decisões – nomeadamente, proteger os colaboradores, garantir as cadeias de abastecimento da empresa, níveis de liquidez e fundo de maneio da empresa e reorganizar a rede de hospitais e os respetivos serviços. “Por exemplo, num fim-de-semana, realocámos serviços inteiros, como a oncologia, para garantir a segurança dos doentes em processo de tratamento, e no espaço de uma semana colocámos centenas de pessoas em teletrabalho”, explica. Quanto ao futuro, Isabel Vaz defende que “o sucesso da retoma económica estará intimamente ligado à forma como os agentes da economia no seu conjunto se reorganizarem rumo a um ‘novo normal’”. Esta entrevista surge no âmbito do desafio lançado pela revista Líder Magazine a 50 líderes e gestores de topo de empresas portuguesas para partilharem as suas experiências em relação à crise provocada pela covid-19. Estes empresários participarão na Leadership Summit Portugal , em conferências a 7 de outubro e 16 de novembro – com Isabel Vaz a integrar o painel de oradores da primeira conferência, juntamente com António Costa e Silva (Partex Oil and Gas), Pedro Castro e Almeida (Santander Portugal) e Rita Abecasis (AMP Associates). Entrevista completa à Líder Magazine: ‘Luz verde para um novo normal’ Principais declarações de Isabel Vaz na entrevista: “No conjunto, tive o privilégio de liderar – talvez devesse antes dizer o privilégio de servir – uma equipa extraordinária de profissionais, que, com grande profissionalismo e enorme dedicação, navegou esta tempestade de forma exemplar. Em equipa, sem egos exacerbados, com assertividade e enorme sentido de responsabilidade social e empresarial. E, com os médicos, enfermeiros, técnicos, gestores e engenheiros, redefinimos procedimentos e circuitos hospitalares literalmente a todos os níveis, não apenas para esta nova doença em particular. Foi tudo concretizado a uma velocidade estonteante”. “Os colegas chineses avisaram-nos desde logo sobre a problemática dos doentes assintomáticos. (…) Face a essa incerteza, a grande decisão foi: vamos partir do princípio de que todos têm covid-19 e, mesmo que as entidades financiadoras ou até os clientes venham a não reconhecer esse custo adicional nos preços, vamos pôr todos os nossos profissionais ‘de escafandro’. E conseguimos controlar de forma eficaz as infeções nos grupos profissionais”. “Todas as empresas do grupo Fosun a nível mundial ajudaram os colegas na China, exportando equipamento de proteção individual. (…) Foi a nossa empresa de trading GLSMED – pequenina quando comparada com tantas outras que no grupo Fosun, a nível mundial, estavam a tentar ajudar os nossos colegas na China – a primeira a conseguir abrir um corredor aéreo para entregar material de proteção individual no aeroporto em Xangai. Foi espetacular”. “Quando chegou a vez de sermos nós na Europa a precisar, Portugal em particular, (…) isto acabou por revelar-se extraordinariamente útil na abertura de corredores aéreos e de fornecimento do material fundamental para o combate à pandemia num contexto de escassez na Europa e quando a maior parte dos países adotou comportamentos de proteção feroz dos seus stocks de produção nacionais.”. “Gostaria ainda de assinalar o movimento de filantropia a que mais uma vez tivemos a oportunidade de assistir em Portugal por parte do setor privado, para se juntar e ajudar a comunidade como um todo. E o que é curioso, também, é existir, em paralelo, nos media e nas palavras dos políticos em geral, um certo cinismo relativamente a esta filantropia”. “É claro que as empresas têm objetivos de retorno do capital investido, mas não se reduzem unicamente a esse objetivo, até porque a capacidade de gerar retorno para todos os seus stakeholders de forma equilibrada faz hoje parte das regras do jogo no contexto dos valores da sociedade atual. Mais: acho que todos devemos ter consciência, setor público e privado, de que não vamos sair desta crise sozinhos.” “Estamos a retomar a atividade, garantindo infraestruturas seguras, profissionais seguros, toda a gente a trabalhar com estabilidade em casa ou no local de trabalho, com equipas em espelho e escalas já montadas. Há que retomar a normalidade. Perdemos quase dois meses de faturação”. “Do ponto de vista estratégico, a médio prazo, a minha preocupação é garantir que esta situação que vivemos se transforme numa oportunidade para a empresa se ‘re-imaginar’, rumo a um ‘novo normal’ . E fazê-lo rapidamente, por forma a que isso se traduza numa vantagem competitiva consistente”. “A descoberta mais surpreendente? Talvez a nossa capacidade de readaptação e organização. Fizemos reuniões muito mais eficazes. Estávamos muito mais organizados, mesmo à distância”. “O que é que esta crise me ensinou? Não facilitar. Mais vale exagerar do que facilitar. A gestão de risco assumiu um papel extraordinariamente importante dentro da empresa. Não há heróis a solo.” “Preocupam-me, na retoma, os clientes mais complexos, que, entretanto, foram acompanhados em videoconsultas. A certa altura, tive de ser mais assertiva e lembrar que havia mais doenças para além da covid-19, que havia doentes a precisar de nós… Isto numa altura em que, em todo o lado, a ordem era fechar!” “O nosso Centro Clínico Digital já funciona há três anos. A nível estratégico, tínhamos de saber concorrer nesse plano. Há muitas consultas que podem ser digitais. A nossa diferenciação é que as videoconsultas são realizadas por um médico com acreditação do Hospital da Luz e que conhece bem o seu doente."