O caso do futebolista dinamarquês Christian Eriksen , que caiu inanimado em campo ao minuto 42 do jogo da sua seleção contra a da Finlândia, no Euro 2020, tendo conseguido sobreviver após manobras de reanimação com uso de desfibrilhador, veio chamar a atenção para a importância da cardiologia desportiva, tanto para os atletas de nível competitivo como para os amadores ou praticantes de desporto de lazer. Hélder Dores , responsável pela área de Cardiologia Desportiva do Hospital da Luz Lisboa e atual secretário-geral da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, explica aqui por que acontecem casos como o de Eriksen, como é que eventuais doenças cardiovasculares não são detetadas previamente e o que o futuro reserva a estes atletas. O que pode causar uma situação como a que aconteceu a Christian Eriksen? A causa exata do que aconteceu ao atleta dinamarquês só pode ser determinada posteriormente, após a realização de exames complementares específicos. Mas a maioria dos casos de paragem cardiorrespiratória no atleta deve-se a doença cardiovascular . Podemos mesmo dizer que 80% dos casos de paragem cardiorrespiratória, ou até de morte súbita, em atletas, ocorrem por doenças cardíacas. Nos atletas abaixo dos 35 anos, as causas são geralmente hereditárias, doenças que afetam o músculo cardíaco (que nós chamamos miocardiopatias) ou o ritmo cardíaco. Como é que as causas de uma paragem cardiorrespiratória não são detetadas nos exames a que são sujeitos os atletas? A maioria das doenças cardiovasculares é normalmente detetada em exames de rotina – e por isso os atletas devem fazer de forma regular uma avaliação médico-desportiva, composta por vários exames, como o ECG, ou em alguns contextos o ecocardiograma transtorácico e a prova de esforço. No entanto, há algumas doenças que são impossíveis de detetar nestes exames e muitas vezes a primeira manifestação clínica de algumas é precisamente uma situação como esta, de paragem cardiorrespiratória, ou até a morte súbita. Daí que, além da avaliação médico-desportiva periódica, é muito importante existir nos recintos desportivos capacidade de reanimação , emergência médica e desfibrilhação, pois só desta forma se pode salvar mais vidas. Após uma paragem cardiorrespiratória com reanimação bem-sucedida, que exames o atleta tem de fazer? É preciso analisar o que já foi feito – nomeadamente, os exames prévios a esta competição, como o ECG e o ecocardiograma transtorácico –, averiguar se há antecedentes familiares de doenças cardiovasculares e depois decidir o que fazer. Após um episódio destes, os exames têm de ser muito mais exaustivos , podendo incluir, por exemplo: Ressonância magnética cardíaca, para averiguar se há alguma alteração na estrutura e função cardíaca; Exames de angiografia (como angio-TAC ou até cateterismo), para verificar se existe alguma alteração nas artérias coronárias; Aparelhos de monitorização prolongada para identificar eventuais arritmias; Exames de outras especialidades, nomeadamente Neurologia e Pneumologia, para averiguar eventuais causas não cardíacas. Os atletas que sofrem uma paragem cardiorrespiratória têm condições para voltar a competir? Tudo depende da causa e da gravidade da doença que for detetada. Para obtermos uma resposta absoluta, é preciso primeiro isto estar definido. No caso de Eriksen, eu diria que há 99% de hipóteses de o Euro 2020 ter acabado para ele. Aliás, existe uma elevada probabilidade de até a própria carreira ter acabado, se a causa da paragem cardiorrespiratória foi uma doença cardíaca. É preciso recordar que isto aconteceu num atleta aparentemente saudável e que fez todos os exames exigidos – senão, não teria sido dado como apto para competir. Se agora lhe for diagnosticada uma das doenças mais graves e associadas a paragens cardiorrespiratórias, é preciso lembrar que algumas constituem contraindicação para a prática de desporto de nível competitivo . Dependendo da gravidade do que for detetado, poderá ser permitido algum tipo de exercício físico, mas nunca com a intensidade exigida num nível competitivo. Os segundos em que Eriksen esteve inanimado podem ter deixado sequelas cerebrais? Pelas notícias que se conhecem – o jogador saiu de campo já de olhos abertos, consciente e a comunicar –, os indicadores são bons . Muitas das doenças cardíacas mais graves e instáveis não permitem uma reanimação tão rápida. O tempo entre a paragem cardiorrespiratória e o início das manobras de reanimação é, de facto, crucial. Costumamos dizer que “o tempo é miocárdio” e “o tempo é cérebro” – ou seja, quanto mais tempo demorarmos a iniciar essas manobras, maior será a probabilidade de haver sequelas cerebrais. Acima dos 5 minutos em paragem cardiorrespiratória , há uma grande probabilidade de existirem sequelas cerebrais e acima dos 10 minutos de haver mesmo morte cerebral.